Você conhece os melhores poemas de Allen Ginsberg? O poeta Paulo Leminski, ao falar da poesia beat, destacou o caráter de “geração” do movimento, ao contrário da “projeção” da poesia concreta brasileira. Ele falava em geração porque a poesia beat não poderia ser produzida, ela era gerada, em uma espécie de gênese do mundo, como se a poesia viesse de onde vem todas as coisas da vida: de um mistério inacessível. Isto foi lançado por um jovem rapaz e que soube definir isso com uma palavra: o rapaz é Allen Ginsberg e a palavra é “uivo”.
Irwin Allen Ginsberg nasceu no dia três de Junho de 1926 em Newwark (Nova Jersey) e morreu no dia 5 de Abril de 1997 em Nova Iorque. Foi o grande rebelde romântico e poeta anarquista contemporâneo que ficou conhecido pelas loucuras com os seus companheiros Jack Kerouac e William Burroughs. Promoveu uma revolução na linguagem e nos valores literários que transformou-se numa rebelião colectiva. A Geração beat nasceu com o impacto provocado pelo lançamento de Howl and other poems (1956), de On the Road de Kerouac (1957), e de outras obras literárias.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas de Allen Ginsberg. Confira:
Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura, famintas histéricas nuas, se arrastando pelas ruas dos negros na madrugada em busca de uma dose feroz, hipsters com cabeças de anjo ardendo pela antiga conexão celestial com o dínamo estelar no maquinário da noite, que na miséria e em farrapos e olhos vazios e chapados sentaram fumando na escuridão sobrenatural dos apartamentos de água fria flutuando pelos topos das cidades contemplando o jazz, que despiram seus cérebros ao Céu sob o El e viram anjos maometanos cambaleando nos telhados iluminados dos cortiços, que passaram pelas universidades com olhos frios radiantes alucinando o Arkansas e a tragédia à luz de Blake entre os eruditos da guerra, que foram expulsos das academias por loucas & publicadas odes obscenas nas janelas do crânio, que se encolheram em quartos peludos com roupas íntimas, queimando seu dinheiro em cestas de lixo e escutando o Terror através da parede, que foram presos por suas barbas púbicas retornando por Laredo com um cinto de maconha pra Nova York, que comeram fogo em hotéis de pintura ou beberam terebintina no Beco do Paraíso, morte, ou purgatoriaram seus torsos noite após noite com sonhos, com drogas, com pesadelos que despertam, álcool e rola e trepadas intermináveis, incomparáveis ruas sem saída de nuvens e relâmpagos estremecendo na mente saltando pros polos de Canadá & Paterson, iluminando todo o mundo imóvel do Tempo entre eles, solidez de Peiote dos salões, auroras de cemitério da árvore verde do quintal, bebedeira de vinho nos telhados, subúrbios de fachadas no semáforo piscando néon da viagem do maconheiro, vibrações de sol e lua e árvore no rugir dos crepúsculos do inverno do Brooklyn, reclamações de cinzeiro e a doce soberana luz da mente, que se acorrentaram a metrôs pra interminável viagem de Battery ao santo Bronx em benzedrina até o ruído das rodas e crianças os trazerem de volta tremendo com a boca destroçada e agredidos cérebro miserável todo drenado de brilho na luz terrível do Zoológico, que afundaram a noite inteira na luz submarina do Bickford’s flutuaram e sentaram por toda uma tarde de cerveja choca no desolado Fugazzi’s, ouvindo o estrondo da catástrofe na jukebox de hidrogênio, que falaram setenta horas sem parar do parque ao apê ao bar ao Bellevue ao museu à Ponte do Brooklyn, um batalhão perdido de conversadores platônicos saltando as sacadas das escadas de incêndio dos parapeitos do Empire State pra fora da lua, tagarelando gritando vomitando sussurrando fatos e memórias e anedotas e espasmos oculares e choques de hospitais e presídios e guerras, intelectos inteiros regurgitados em memória eidética por sete dias e noites com olhos brilhantes, carne pra Sinagoga jogada na calçada, que desvaneceram a um nada Zen Nova Jersey deixando um rastro de ambíguas imagens de cartões postais do Atlantic City Hall, sofrendo suores orientais e triturações de ossos de Tânger e enxaquecas da China na abstinência de droga no desolado quarto mobiliado de Newark, que vaguearam e vaguearam à meia-noite no pátio da ferrovia pensando aonde ir, e se foram sem deixar corações partidos, que acenderam cigarros em vagões vagões vagões de carga barulhentos pela neve em direção a fazendas solitárias na noite avô, que estudaram Plotino Poe São João da Cruz telepatia e cabala bop porque o cosmo vibrava instintivamente aos seus pés no Kansas, que erraram pelas ruas de Idaho buscando anjos indígenas visionários que eram anjos indígenas visionários, que pensaram ser os únicos loucos quando Baltimore resplandeceu em êxtase sobrenatural, que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma no impulso da chuva da cidadezinha à luz da rua na meia-noite do inverno, que relaxaram famintos e solitários por Houston buscando jazz ou sexo ou sopa, e seguiram o brilhante espanhol pra conversar sobre a América e a Eternidade, uma tarefa inútil, e então pegaram um navio pra África, que desapareceram nos vulcões do México não deixando nada pra trás senão as sombras dos jeans e a lava e a cinza da poesia espalhadas na lareira Chicago, que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI de barbas e bermudas com grandes olhos pacifistas sensuais na sua pele queimada distribuindo folhetos incompreensíveis, que queimaram buracos de cigarros em seus braços protestando o nevoeiro narcótico de tabaco do Capitalismo, que distribuíram panfletos Supercomunistas na Union Square chorando e se despindo enquanto as sirenes de Los Alamos gemeram atrás deles, e gemeram pela Wall, e a barca de Staten Island também gemeu, que caíram em prantos em ginásios brancos, nus e trêmulos diante do maquinário dos outros esqueletos, que morderam detetives no pescoço e berraram de alegria nos carros de polícia por não terem cometido nenhum crime senão a sua própria pederastia e intoxicação cozinhando selvagens, que uivaram de joelhos no metrô e foram arrastados pra fora do telhado sacudindo genitálias e manuscritos, que se deixaram ser fodidos no cu por motociclistas santos, e gritaram de prazer, que chuparam e foram chupados por aqueles serafins humanos, os marinheiros, carícias de amor atlântico e caribenho, que foderam nas manhãs nas tardes em roseirais e na grama dos parques públicos e cemitérios espalhando seu sêmen livremente pra quem viesse, que soluçaram incessantemente tentando rir mas acabaram choramingando atrás da divisória num banho turco quando o anjo loiro & nu veio perfurá-los com uma espada, que perderam seus amantes pras três velhas megeras do destino a megera caolha do dólar heterossexual a megera caolha que pisca do útero e a megera caolha que só sabe ficar com a bunda sentada e retalhar os dourados fios intelectuais do tear do artesão, que copularam extáticos e insaciados com uma garrafa de cerveja uma namorada um maço de cigarros uma vela e caíram da cama, e continuaram pelo chão e pelo corredor e acabaram desmaiando contra a parede com uma visão da boceta suprema e gozaram deixando escapar o último gozo da consciência, que amansaram as xoxotas de um milhão de garotas tremendo ao pôr do sol, e estavam com os olhos vermelhos pela manhã, mas preparados pra amansar a xoxota da alvorada, mostrando as bundas nos celeiros e nus no lago, que foram atrás de prostitutas pelo Colorado em miríades de carros roubados à noite, N.C., herói secreto desses poemas, garanhão e Adônis de Denver— prazer na lembrança de suas inumeráveis trepadas com garotas em terrenos baldios & fundos de lanchonetes, nas raquíticas fileiras dos cinemas, nos topos de montanhas em cavernas ou com garçonetes magricelas no familiar erguer de saias solitário à beira da estrada & especialmente solipsismos secretos de mictórios de postos de gasolina, & becos da cidade natal também, que desapareceram em vastos filmes sórdidos, foram transportados em sonhos, despertaram numa súbita Manhattan, e se pegaram do chão com ressaca em porões com o cruel Tokay e horrores de sonhos de ferro da Terceira Avenida & cambalearam até as agências do desemprego, que andaram a noite toda com seus sapatos cheios de sangue nas docas cobertas de neve esperando que uma porta se abrisse no East River pra um quarto repleto de vapor quente e ópio, que criaram grandes dramas suicidas nas beiras de penhascos dos apartamentos do Hudson sob o holofote azul da lua em tempo de guerra & suas cabeças serão coroadas com os louros no esquecimento, que comeram o cordeiro ensopado da imaginação ou digeriram o caranguejo do fundo lamacento dos rios de Bowery, que choraram perante o romance das ruas com seus carrinhos cheios de cebolas e música ruim, que se sentaram em caixas respirando na escuridão debaixo da ponte, e se levantaram pra construir clavicórdios em seus sótãos, que tossiram no sexto andar do Harlem coroados com fogo debaixo do céu tuberculoso cercados pelas caixas laranjas de teologia, que rascunharam a noite toda balançando e rolando por sublimes encantamentos que na manhã amarelada eram estrofes sem sentido, que cozinharam animais podres pulmão coração pé rabo borsht & tortillas sonhando com o puro reino vegetal, que mergulharam debaixo de caminhões de carne procurando um ovo, que arremessaram seus relógios do telhado pra lançar seu voto pra uma Eternidade fora do Tempo, & despertadores caíram nas suas cabeças todos os dias da década seguinte, que cortaram seus pulsos três vezes sucessivamente sem sucesso, desistiram e foram forçados a abrir lojas de antiguidades onde acharam que estavam envelhecendo e choraram, que foram queimados vivos nas suas inocentes roupas de flanela na Madison Avenue entre rajadas de verso de chumbo & estrondo embriagado dos férreos regimentos da moda & e os gritos de nitroglicerina das bichas da publicidade & o gás de mostarda dos sinistros editores inteligentes, ou foram atropelados pelos táxis bêbados da Realidade Absoluta, que pularam da Ponte do Brooklyn isso realmente aconteceu e foram embora desconhecidos e esquecidos rumo ao torpor fantasmagórico dos becos de sopa & caminhões de bombeiros de Chinatown, nunca uma cerveja grátis, que cantaram das suas janelas em desespero, caíram da janela do metrô, pularam no imundo Passaic, saltaram em negros, gritaram por toda a rua, dançaram descalços nos cacos de taças de vinho esmagaram gravações do nostálgico jazz europeu da Alemanha dos anos 1930 terminaram o uísque e vomitaram gemendo no banheiro ensanguentado, gemidos nos seus ouvidos e o estrondo de colossais apitos a vapor, que dispararam estrada abaixo pelas rodovias do passado viajando pra vigília da solidão-da-prisão do Gólgota-do-turbo de cada um ou pra encarnação do jazz de Birmingham, que dirigiram atravessando o país setenta e duas horas pra descobrir se eu havia tido uma visão ou se ele havia tido uma visão pra descobrir a Eternidade, que viajaram a Denver, que morreram em Denver, que voltaram pra Denver & esperaram em vão, que cuidaram de Denver & pensaram & ficaram sós em Denver e finalmente foram embora pra descobrir o Tempo, & agora Denver está sozinha sem seus heróis, que caíram de joelhos em catedrais desesperadas rezando pela salvação um do outro e por luz e peitos, até que a alma iluminou seu cabelo por um segundo, que atravessaram suas mentes na prisão à espera de impossíveis criminosos com cabeças douradas e o encanto da realidade nos seus corações que cantaram blues doces a Alcatraz, que se retiraram pro México pra cultivar um hábito, ou pras Montanhas Rochosas pro terno Buda ou Tânger pros garotos ou Pacífico Sul pra locomotiva negra ou Harvard pro Narciso pra Woodlawn pra coroa de margaridas ou o túmulo, que exigiram exames de sanidade acusando a rádio de hipnotismo & foram abandonados com sua insanidade & suas mãos & um júri indeciso, que arremessaram salada de batatas aos palestrantes de Dadaísmo na CCNY e subsequentemente se apresentaram nos degraus de granito do hospício com as cabeças raspadas e o discurso arlequinal de suicídio, exigindo lobotomia instantânea, e que ao invés disso receberam o vácuo concreto de insulina Metrazol eletricidade hidroterapia psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue & amnésia, que num protesto sem graça tombaram apenas uma simbólica mesa de pingue-pongue, descansando brevemente em catatonia, retornando anos depois realmente carecas exceto por uma peruca de sangue, e lágrimas e dedos, à visível condenação do louco dos bairros das loucas cidades do Oriente, os salões fétidos de Pilgrim State Rockland e Greystone, implicando com os ecos da alma, balançando e rolando nos reinos-dólmens do amor dos bancos-da-solidão da meia-noite, o sonho da vida um pesadelo, corpos transformados em pedra tão pesada como a lua, com a mãe finalmente , e o último livro fantástico arremessado pela janela do cortiço, e a última porta fechada às 4 da manhã e o último telefone batido na parede em resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até a última peça de mobília mental, uma rosa de papel amarelo torcida num cabide de arame no armário, e mesmo isso tudo imaginário, nada além de um pequeno pedaço esperançoso de alucinação— ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não estarei a salvo, e agora você está mesmo dentro da total sopa animal do tempo— e que por isso correram pelas ruas geladas obcecados com um clarão súbito da alquimia do uso da elipse catálogo uma medida variável e o plano vibratório, que sonharam e abriram brechas encarnadas no Tempo & no Espaço através de imagens justapostas, e aprisionaram o arcanjo da alma entre 2 imagens visuais e juntaram os verbos elementais e puseram o substantivo e o traço da consciência juntos saltando com uma sensação de Pater Omnipotens Aeterna Deus pra recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e permaneceram calados e inteligentes e tremendo de vergonha diante de você, rejeitados mas confessando a alma pra se conformar ao ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita, a batida no Tempo do vagabundo louco e anjo, desconhecido, mas escrevendo aqui o que deveria ficar por dizer no tempo após a morte, e se erguiam reencarnados nas fantasmagóricas roupas do jazz na sombra da trombeta dourada da banda e sopraram o sofrimento da mente nua da América por amor em um grito de saxofone eli eli lamma lamma sabacthani que arrepiou as cidades até a última rádio com o coração absoluto do poema da vida esquartejado de seus próprios corpos, comestível por mil anos.
Que esfinge de cimento e alumínio arrebentou seus crânios e comeu seus cérebros e a imaginação? Moloch! Solidão! Imundície! Feiura! Lixeiras e dólares inalcançáveis! Crianças gritando embaixo das escadas! Garotos soluçando nos exércitos! Velhos chorando nos parques! Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o sem amor! Moloch mental! Moloch o severo julgador dos homens! Moloch a prisão incompreensível! Moloch o presídio desalmado de ossos cruzados e Congresso de aflições! Moloch cujas construções são julgamento! Moloch a vasta pedra de guerra! Moloch os governos aturdidos! Moloch cuja mente é puro maquinário! Moloch cujo sangue é dinheiro corrente! Moloch cujos dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é um dínamo canibal! Moloch cuja orelha é uma tumba fumegante! Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch cujos arranha-céus levantam-se nas longas ruas como infinitos Jeovás! Moloch cujas fábricas sonham e grasnam na névoa! Moloch cujas chaminés e antenas coroam as cidades! Moloch cujo amor é petróleo infindável e pedra! Moloch cuja alma são eletricidade e bancos! Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio! Moloch cujo destino é uma nuvem de hidrogênio assexuada! Moloch cujo nome é a Mente! Moloch em quem eu me sento sozinho! Moloch em quem eu sonho Anjos! Louco em Moloch! Chupador de rola em Moloch! Sem amor e sem homem em Moloch! Moloch que cedo penetrou em minha alma! Moloch em quem eu sou uma consciência sem corpo! Moloch que me assustou do meu êxtase natural! Moloch que eu abandono! Acordar em Moloch! Luz escorrendo do céu! Moloch! Moloch! Apartamentos robôs! subúrbios invisíveis! tesouros esqueléticos! capitais cegas! indústrias demoníacas! nações espectrais! hospícios invencíveis! rolas de granito! bombas monstruosas! Eles quebraram suas costas erguendo Moloch ao Céu! Calçadas árvores, rádios, toneladas! erguendo a cidade ao Céu que existe e está em todo lugar ao nosso redor! Visões! presságios! alucinações! milagres! êxtases! desceram pelo rio americano! Sonhos! adorações! iluminações! religiões! todo o monte de besteira sensitiva! Avanços! sobre o rio! giros e crucificações! escorrendo na enchente! Euforias! Epifanias! Desesperos! Dez anos de gritos animais e suicídios! Mentes! Novos amores! Geração insana! descendo pelas rochas do Tempo! Verdadeiras gargalhadas sagradas no rio! Eles viram tudo! os olhos selvagens! os gritos santos! Eles deram adeus! Eles pularam do telhado! pra solidão! acenando! carregando flores! Pelo rio abaixo! em direção à rua!
Carl Solomon! Estou com você em Rockland onde você está mais louco que eu Estou com você em Rockland onde você deve se sentir muito estranho Estou com você em Rockland onde você imita a sombra da minha mãe Estou com você em Rockland onde você assassinou suas doze secretárias Estou com você em Rockland onde você ri desse humor invisível Estou com você em Rockland onde nós somos grandes escritores na mesma terrível máquina de escrever Estou com você em Rockland onde o seu estado se tornou grave e é noticiado no rádio Estou com você em Rockland onde as faculdades do crânio não mais admitem os vermes dos sentidos Estou com você em Rockland onde você bebe o chá dos peitos das solteironas de Utica Estou com você em Rockland onde você faz trocadilhos com os corpos das suas enfermeiras as harpias do Bronx Estou com você em Rockland onde você grita numa camisa de força que você está perdendo o jogo do verdadeiro pingue-pongue do abismo Estou com você em Rockland onde você bate no piano catatônico a alma é inocente e imortal jamais deveria morrer impiamente num manicômio armado Estou com você em Rockland onde cinquenta choques a mais jamais trarão sua alma de volta ao seu corpo novamente de sua peregrinação a uma cruz no vazio Estou com você em Rockland onde você acusa seus médicos de insanidade e conspira a revolução socialista hebraica contra o Gólgota fascista nacional Estou com você em Rockland onde você irá rachar os céus de Long Island e ressuscitar seu Jesus humano vivo da tumba sobre-humana Estou com você em Rockland onde há vinte e cinco mil camaradas cantando todos juntos as estrofes finais da Internacional Estou com você em Rockland onde abraçamos e beijamos os Estados Unidos debaixo de nossos lençóis os Estados Unidos que tossem a noite toda e não nos deixam dormir Estou com você em Rockland onde acordamos do coma eletrocutados pelos próprios aviões de nossas almas rugindo sobre o telhado eles vieram soltar bombas angelicais o hospital se ilumina paredes imaginárias colapsam Ó legiões esquálidas saiam correndo Ó estrelado choque de misericórdia a guerra eterna está aqui Ó vitória esqueça sua roupa de baixo nós estamos livres Estou com você em Rockland em meus sonhos você caminha encharcado de uma jornada marítima na rodovia que atravessa a América em prantos à porta da minha cabana na noite ocidental
Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! Santo! O mundo é santo! A alma é santa! A pele é santa! O nariz é santo! A língua e a rola e a mão e o cu são santos! Tudo é santo! todo mundo é santo! todo lugar é santo! todo dia está na eternidade! todo indivíduo é um anjo! O vagabundo é tão santo quanto o serafim! o louco é tão santo quanto você minha alma é santa! A máquina de escrever é santa o poema é santo a voz é santa os ouvintes são santos o êxtase é santo! Santo Peter santo Allen santo Solomon santo Lucien santo Kerouac santo Huncke santo Burroughs santo Cassady santos os mendigos desconhecidos fodidos e sofridos santos os hediondos anjos humanos! Santa minha mãe no manicômio de loucos! Santas as rolas dos avôs do Kansas! Santo o saxofone que geme! Santo o apocalipse bop! Santos as bandas de jazz maconha hipsters paz peiote cachimbos & bateria! Santas as solidões dos arranha-céus e calçadas! Santas as cafeterias cheias com os milhões! Santos os misteriosos rios de lágrimas debaixo das ruas! Santo o solitário juggernaut! Santo o vasto cordeiro da classe média! Santos os loucos pastores da rebelião! Quem curte Los Angeles É Los Angeles! Santa Nova Iorque Santo São Francisco Santa Peoria & Seattle Santa Paris Santa Tânger Santa Moscou Santa Istanbul! Santo tempo na eternidade santa eternidade no tempo santos os relógios no espaço santa a quarta dimensão santa a quinta Internacional santo o Anjo em Moloch! Santo o mar santo o deserto santa a ferrovia santa a locomotiva santas as visões santas as alucinações santos os milagres santo o globo ocular santo o abismo! Santo perdão! misericórdia! caridade! fé! Santos! Nossos! corpos! sofrendo! magnanimidade! Santa a sobrenatural bondade inteligente extrabrilhante da alma! Berkeley 1955 tradução de Rubens Chinali
Ei, Pai Morte, estou voando pra casa / Ei, velho, você está sozinho / Ei, velho paizinho, eu sei pra onde vou // Pai Morte, não chore mais / Mamãe está lá, embaixo do chão / Irmão Morte, por favor, tome conta da casa // Velha Titia Morte, não esconda seus ossos / Velho Tio Morte, eu escuto seus ais / Oh, Irmã Morte, são doces os seus lamentos // Oh, Crianças Morte, respirem seu ar / O peito ofegante vai aliviar a morte de vocês/ A dor passou, as lágrimas levam o resto // Gênio Morte, sua arte está completa / Amante Morte, seu corpo se foi / Pai Morte, estou indo pra casa // Gênio Morte, suas palavras são verdadeiras / Professor Morte eu lhe agradeço / Por me inspirar a cantar este blues // Buda Morte, eu acordo com você / Darma Morte, sua mente é verdadeira / Sanga Morte, vamos superar isso tudo // Sofrer é [próprio d]o que nasce / Ignorância me fez esquecer / As verdades amargas não posso desdenhar // Pai Sopro, mais uma vez, adeus / Sua herança não foi ruim / Meu coração está parado, como o tempo dirá.
8 de julho de 1976 (sobre o lago Michigan)
Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei entre noivo e noiva, esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto, braços pousados sobre os olhos na escuridão, afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei sua pele e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro, pernas erguidas e dobradas para receber, caralho atormentado na escuridão, atacando levantado do buraco até a cabeça pulsante corpos entrelaçados nus e trêmulos, coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra, e os olhos, olhos cintilando encantadores, abrindo-se em olhares e abandono, e os gemidos do movimento, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas, mãos na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençóis e a noiva grite pedindo perdão e o noivo se cubra de lágrimas de paixão e compaixão e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos e beijos de adeus — tudo isso antes que a mente desperte, atrás das cortinas e portas fechadas da casa escurecida cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite, fantasmas desnudos buscando-se no silêncio.
Tia Rose — agora — se eu a pudesse ver com seu rosto afilado e sorriso de longos dentes e dor de reumatismo — e um comprido e pesado sapato preto para sua ossuda perna esquerda coxeando pelo carpete do longo saguão de Newark passando pelo grande piano negro até a sala de visitas onde faziam reuniões e eu cantava canções legalistas espanholas com uma voz aguda esganiçada (histérico) o comitê ouvindo enquanto você mancava pela sala recolhendo o dinheiro Tio Honey, Tio Sam, um estranho com um braço de manga de casaco enfiado no bolso o enorme moço calvo da brigada Abraham Lincoln — sua comprida cara triste suas lágrimas de insatisfação sexual (que soluços sufocados e ancas ossudas sob os travesseiros da Osborne Terrace) — a vez em que fiquei sentado nu na privada enquanto você empoava minhas coxas com Calomine contra a queimadura da urtiga — meus tenros e envergonhados primeiros negros pelos crespos o que você pensaria secretamente sabendo que eu já era homem — e eu e a menina ignorante do silêncio familiar no delgado pedestal das minhas pernas no banheiro — Museu de Newark
Tia Rose Hitler está morto, Hitler está na Eternidade; Hitler está junto com Tamerlão e Emily Brontë Porém eu ainda a vejo caminhar, um fantasma em Osborne Terrance ao longo do saguão escuro até a porta da frente mancando um pouco com um sorriso cansado naquilo que deve ter sido um florido vestido de seda recebendo meu pai, o Poeta, na sua visita a Newark — vejo-a chegar à sala de visitas dançando em sua perna aleijada e batendo palmas seu livro havia sido aceito por Liveright Hitler morreu e Liveright encerrou as atividades O Sótão do Passado e Duradouro Minuto estão esgotados Tio Harry vendeu sua última meia de seda Claire largou a escola de dança interpretativa Buba está largada um monumento encarquilhado na Casa de Repouso para Senhoras Idosas piscando para bebês a última vez que a vi você estava no hospital pálido crânio emergindo da pele cinérea menina inconsciente com veias azuis numa tenda de oxigênio a guerra da Espanha já acabou há muito tempo Tia Rose Paris, 1958
Muito venho pensando em ti nesta noite, Walt Whitman, enquanto caminho pela calçada sob as árvores, com uma incômoda dor de cabeça e olhando a lua cheia.
Em meu faminto cansaço, e fazendo compras na imaginação, fui ao supermercado de néon e frutas, sonhando com tuas listagens!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras nas compras da noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos abacates e bebês nos tomates! – e, você, Garcia Lorca, que estava fazendo diante dos melões?
Te vi, Walt Whitman, sem filhos, velho comilão solitário, apalpando as carnes do refrigerador e lançando olhares aos jovens vendedores.
Te ouvi perguntar a eles todos: quem matou as costeletas de porco? qual o preço das bananas? quem é meu Anjo, tu?
Vagueei por entre as prateleiras brilhantes de latas, te seguindo e sendo seguido pelo detetive da casa, em minha imaginação.
Percorremos os grandes corredores, juntos em nossa solitária fantasia, provando alcachofras, pegando todas as delícias congeladas, sem passar pela caixa.
Para onde estamos indo, Walt Whitman? Dentro de uma hora as portas se fecham. Qual o caminho que tua barba hoje aponta?
(Toco em teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado – e me sinto absurdo.)
Iremos caminhar a noite por todas essas ruas solitárias? As árvores acrescentam sombras às sombras, luzes apagadas nas casas, ambos estaremos sozinhos.
Andando e sonhando com a América perdida de amor, passaremos por automóveis azuis no estacionamento a caminho de nosso solitário refúgio?
Ah, querido pai, de barbas cinzas, velho e solitário professor de coragem, que América te conheceu quando Caronte desistiu de empurrar seu barco e desceu-te na margem enfumaçada e ficou vendo o barco desaparecer nas negras águas do Letes? .
Neblina fina que sobe o morro e descamba rios de vento que alisam árvores. De cada nuvem que ondula explode e passa um mesmo giro fundo evapora por cima de samambaias que prendem a pedra verde em franja mansa vista através da vidraça enquanto chove no vale Bardo, ó ser, Visitacione, não fale nada ou então diga somente o que esse homem já viu num vale em Álbion um povo cuja ciência termina na coerência ecológica das sábias relações terrestres dez séculos de trama tecida de olhos bocas visíveis pomares da linguagem da mente humanifesta um cardo em simetria satânica uma planta eriçada florindo no chão veloz sobre um centro de leves margaridas irmãs angelicais como lampadas – Além de Londres sua torre de espinhos suas cenas simétricas de TV em cadeia & o Ser do Bardo barbado, onde lembrar um dia como hoje no morro a nesga de carneiros balindo árvores no ouvido do velho Blake & a velha calma de Words – worth com os mudos pensamentos nela nuvens no esqueleto dos arcos passando em Tintern Abbey – Bardo Sem Nome do vasto assombro de tudo, rumor! Uma só coisa, o vale se esticava tremendo, o vento deitava em lençóis de musgo, grande força redonda que afogava a neblina na água fina vermelha dos riachos da encosta cujas ramas se torciam caladas calcadas em mistura granítica – e erguia também do chão o Espaço Nébulo erguia o braço das árvores e o capim do instante mantinha erguidos os carneiros parados alçava, numa onda solene, o dorso verde
Sólido pedaço no Céu, gota de vale, toda a imensidão diminuta rolando em Llanthony Valley, em toda a área da Inglaterra coesa, vale em vale, sob o risco das doces toneladas do oceano do Céu Céu que se equilibra num fiapo de grama urro do morro vento lento e esse corpo um Ser, um perto Algum, visão da encosta cosendo em brilho e calma os equilíbrios fluindo, um gesto vara o escuro céu-chão e são milhões de margaridas que o fazem, é o gesto de uma Força Serena que induz o mato molhado até a rama mais distante de neblina fina aspergida na corola do morro – Nenhuma imperfeição no morro em flor Os vales respiram, céu e terra andam juntos margaridas engolem polegadas de ar verduras vergam átomos piscantes vegetam no capim em mandalas manchas espalhadas ruminam com olhos de carneiro vazios cavalos dançam na chuva quente árvores ladeiam canais em rede viva nos campos ermos paredões frutificam seios de espinheiros desabrocham colinas passam roceiros ermos cuspindo samambaias e ervas – passar entrar cair rolando no oceano de sons, rajadas cair no chão ó mãe ó grã-Mãe Úmida, jamais uma lesão em teu corpo! Pare vendo de perto, nada é imperfeito no mato, todaflor cada olhoflor um Buda, e a história se repete, a alma multiforme ajoelha perante botões quentes inquietos erectos, sinos dobrados no caule trêmula antena, & olhe vendo de dentro nos carneiros que espiam paradamente respirando sob folhas e gotas – Deito e misturo a barba no morro em pelo viscoso cheirando ileso o chão-vagina provando úmidas emanações violetas de penugem de cardo – Um ser tão vasto, em tão vertiginoso equilíbrio, que seu sopro mais fino afasta no assoalho dos olhos a flor mais quieta do vale treme em rendas de águateias na lãcapim dos carneiros suspende copas e raízes, pássaros na grande corrente levando o mesmo peso na chuva, a força eclusa gemendo chamando terra coração, junção de espantos. O grande mistério é o não-mistério os sentidos correspondem aos ventos o visível é visível o vale em ondas anda com uma barba de chuva átomos cinzentos desaguam na cabala do ar. A mente está de pernas cruzadas imóvel numa pedra e respira está elástica no capim mole e respira na beira de margaridas brancas na estrada. O sopro do Céu desce ao umbigo, minha própria simetria descamba, sopram samambaias rasgadas cujas frondes me aspiram, sopra o mesmo agora vento de Capel-Y-Ffn, sons de Aleph e Aum na vegetação dos ossos na massa de cartilagens-paisagens crânios e colinas iguais numa só Álbion. Que foi que eu vi? Detalhes. A visão do grande Um pluriforme – marcas de fumaça subindo no calor silencioso da casa marcas de uma noite que embarca vazia de estrelas porém ainda molhada de gestos no céu preto dos ventos.
O peso do mundo é o amor. Sob o fardo da solidão, sob o fardo da insatisfação
o peso o peso que carregamos é o amor.
Quem poderia negá-lo? Em sonhos nos toca o corpo, em pensamentos constrói um milagre, na imaginação aflige-se até tornar-se humano —
sai para fora do coração ardendo de pureza —
pois o fardo da vida é o amor,
mas nós carregamos o peso cansados e assim temos que descansar nos braços do amor finalmente temos que descansar nos braços do amor.
Nenhum descanso sem amor, nenhum sono sem sonhos de amor — quer esteja eu louco ou frio, obcecado por anjos ou por máquinas, o último desejo é o amor — não pode ser amargo não pode ser negado não pode ser contido quando negado:
— deve dar-se sem nada de volta assim como o pensamento é dado na solidão em toda a excelência do seu excesso.
Os corpos quentes brilham juntos na escuridão, a mão se move para o centro da carne, a pele treme na felicidade e a alma sobe feliz até o olho —
sim, sim, é isso que eu queria, eu sempre quis, eu sempre quis voltar ao corpo em que nasci.
Dois pedreiros erguem as paredes de uma cave sobre um pedaço de terra cavado há pouco atrás de uma velha casa de madeira com espigões castanhos invadidos por hera numa rua sombria de Denver. É meio -dia e um deles afasta -se devagar. O pedreiro aprendiz descansa lânguido por momentos depois de comer uma sanduíche e de atirar com o saco de papel. Está de macacão e nada o cobre acima da cintura; tem cabelo amarelo e traz na cabeça um boné surrado vermelho vivo. Languidamente, senta -se no cimo da parede num escadote encostado entre as coxas, a cabeça inclinada, fitando desinteressado o saco de papel pousado na relva. Passa a mão pelo peito, e depois esfrega devagar os nós dos dedos no queixo, e baloiça para trás e para a frente sobre a parede. Um pequeno gato aproxima -se ao longo da parede. Agarra o gato e, por instantes, com o boné cobre o corpo do gatinho. Entretanto escurece como se fosse chover e o vento no cimo das árvores ao longo da rua insinua -se como que violentamente. Denver, Verão 1947
Hoje lá fora vistas da janela as árvores pareciam seres vivos na lua. Cada ramo estendido coberto na ponta norte por folhas, como uma verde protuberância peluda. Eu vi os rebentos rosa e escarlate das folhas em botão a despontar ondulando ao sol delicadamente, agitados pela brisa, cada braço das árvores inclinado e arrastado de súbito com a força do vento. Paterson, Agosto de 1948
Quando me sento à frente do papel a escrever a minha cabeça rodopia numa espécie de louco burburinho feminino mas para pensar ver, lá fora, num prédio as paredes do próprio universo eu espero: espero até que o céu apareça tal como é, espero pelo momento em que o próprio poema seja a minha forma de expressão, sem declamar glória, ainda, mas dizendo a verdade. Nova Iorque, Início de 1949
Fonte: http://www.mallarmargens.com/2018/10/uivo-de-allen-ginsberg-traducao-de.html http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet338.htm http://www.mallarmargens.com/2012/12/tres-poemas-de-allen-ginsberg.html https://faneroscopia.files.wordpress.com/2018/07/poemas-de-allen-ginsberg.pdf
Luiz é doutor e mestre em Memória Social nas áreas de poesia e literatura brasileira e bacharel em Teoria do Teatro pela Unirio - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook: https://www.facebook.com/profile.php?id=100064740683688 Instagram: http://www.instagram.com/ziul.ribeiro
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