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Por Hora do Povo Publicado em 15 de janeiro de 2022
Os últimos governos autorizaram que as distribuidoras de energia elétrica cobrassem dos consumidores brasileiros os aumentos dos custos pela contratação de usinas termoelétricas durante as fases de crise hídrica. Foram as chamadas bandeiras tarifárias. Isso significou uma grande elevação das tarifas de energia no Brasil, que já eram as maiores do mundo (vaja abaixo). O sistema de bandeiras tarifárias começou a funcionar no Brasil em janeiro de 2015.
BANDEIRAS ELEVARAM OS CUSTOS DOS CONSUMIDORES
As bandeiras criadas foram as verdes, amarelas e vermelhas e seus valores e acionamento funcionaram da seguinte forma:
Bandeira verde: indicava que as condições de geração de energia estão favoráveis. A tarifa não sofria nenhum acréscimo, pois não havia necessidade de cobrança adicional; Bandeira amarela: indicaria que as condições de geração estavam menos favoráveis. A tarifa sofreu acréscimo de R$ 18,74 para cada megawatt-hora (MWh) consumido; Bandeira vermelha – Patamar 1: quando havia condições mais custosas de geração, a tarifa sofria acréscimos de R$ 39,71 para cada MWh consumido; Bandeira vermelha – Patamar 2: acionada em condições ainda mais custosas de geração. A tarifa sofria acréscimo de R$ 94,92 para cada MWh consumido.
Vale lembrar que todas as bandeiras sofreram reajustes em junho de 2021.
HISTÓRICO DAS BANDEIRAS TARIFÁRIAS
Em agosto de 2021 foi criada ainda uma nova bandeira que perdurará até abril de 2022. A “bandeira da escassez hídrica“, ainda mais cara para o consumidor. A justificativa da ANEEL para a cobrança extra era a necessidade de “uma geração adicional para enfrentar a escassez hídrica”. “Nessa geração adicional está contemplada a importação de energia da Argentina e do Uruguai e a geração termelétrica adicional”, explicou o órgão.
Pois bem. Mesmo depois de ter arrancado o couro dos brasileiros com as tarifas extras das bandeiras tarifárias, o governo acaba de publicar no Diário Oficial da União desta sexta-feira (14) um decreto que autoriza as empresas privadas do setor elétrico a obterem um empréstimo junto ao sistema financeiro para (pasmem) “compensar as perdas na crise hídrica de 2021”. Ou seja, mesmo cobrando da população as taxas extras das bandeiras tarifárias, as distribuidoras privadas (coitadas) estariam precisando de um “socorro” do governo.
BRASILEIRO TERÁ QUE ARCAR COM OS ENCARGOS DA DÍVIDA
A novidade é que mesmo tendo pago uma das maiores tarifas de energia elétrica do mundo, o brasileiro terá que arcar com os encargos deste empréstimo durante um longo tempo. Bolsonaro editou uma medida provisória (MP) que permite que o pagamento do empréstimo seja embutido nas tarifas de energia do consumidor. Ou seja, além de ser extorquido com as bandeiras tarifárias, o consumidores terão que pagar os empréstimos feitos pelas empresas. Serão responsáveis também pelo pagamento dos custos do empréstimo com a adição de juros.
As companhias de energia estão num negócio em que não aceitam ter prejuízo. Só quem pode ter prejuízo e muito são os consumidores. Criaram as tarifas extras para que as empresas não reduzissem seus lucros. Agora elas dizem que os R$ 14,20 por cada 100 kw/h consumidos não foram suficientes para garantir os seus lucros. A solução mais uma vez vai para as costas dos brasileiros. É isso o que Bolsonaro autorizou. O brasileiro vai ter que pagar mais caro para cobrir os empréstimos feitos pelas empresas privadas.
Os técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) alertam que o decreto publicado pelo governo federal deve provocar aumentos “expressivos” nas contas de luz nos próximos anos. Em um relatório do TCU sobre a crise hídrica de 2021, ainda em caráter preliminar, os técnicos do TCU afirmam que o governo não detalhou os valores exatos do empréstimo, nem o prazo de pagamento, mas a previsão é que a operação fique em torno de R$ 15 bilhões.
“Há o risco de o consumidor, nos anos vindouros, estar sujeito a aumentos tarifários expressivos, em razão de efeitos cumulativos de decisões tomadas no passado, como pagamento da Conta-Covid e dessa nova operação de crédito”.
E, como o governo só pensa em garantir os lucros das empresas distribuidoras, mesmo com chuvas, o ele não planeja acabar com cobrança extra na conta de luz.
Apesar das chuvas acima da média nos últimos meses, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, declarou na quarta-feira (12) que o governo não planeja antecipar o fim da vigência da bandeira tarifária da Escassez Hídrica, em vigor desde o início de setembro, e que cobra um adicional de R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidores. “Essa bandeira é para pagar o custo da geração de energia excepcional em 2021”, disse Albuquerque.
GOVERNO NÃO PLANEJOU ENFRENTAR CRISE HÍDRICA
Por não ter um plano de contingência para enfrentar crises hídricas, o governo Bolsonaro optou pelas termelétricas e pela política das bandeiras tarifárias para garantir o abastecimento de energia da população na crise hídrica.
Especialistas são unânimes em criticar a falta de planejamento e de investimentos dos governos no setor elétrico. “A atual crise energética é resultado do desmonte do sistema elétrico brasileiro e da falta de planejamento que se seguiram nas últimas duas décadas e meia e que se mantém até hoje”, afirmou Ildo Sauer, professor do Instituto de Energia da USP.
“Como no Brasil o maior recurso que nós temos é o hidráulico, e agora o eólico, que são marcadamente influenciados pelo comportamento aleatório da hidrologia e da ‘eologia’, a formação de preço, que, num sistema capitalista, está vinculado ao custo do capital, da tecnologia e da capacidade de gestão, passou a ser marcado por um fenômeno aleatório, uma espécie de cassino”, denunciou Ildo Sauer.
“Aí, neste sistema, está a origem da falta de expansão que levou ao racionamento em 2001 e 2002”, afirmou o engenheiro.
“Este modelo que prevaleceu a partir dos anos 90 influenciou a elevação dos preços. Depois houve uma mudança institucional proposta, que não foi seguida, e continuamos com o sistema crítico. Aí se repetiu a crise em 2013 e 2014 e, agora, ela está do volta em 2021”, disse Ildo.
O engenheiro Paulo Cesar Lima, ex-consultor Legislativo, também criticou a falta de ação e de planejamento do governo. “O Brasil tem um potencial gigantesco de produção de energia eólica e solar que, apesar de ter avançado, avançou muito menos do que devia. E também as hidrelétricas. Elas poderiam ter uma maior capacidade de armazenamento de água. Eles fizeram só hidrelétricas chamada de fio d´água”, afirmou.
“Então” prosseguiu o engenheiro, “com esse problema de falta de planejamento, de falta de priorização de fontes mais sustentáveis e até mais baratas, o quadro é esse”. “E as tarifas estão altas por quê? Porque as térmicas estão sendo acionadas, e têm que ser acionadas mesmo. As térmicas no Brasil são muito problemáticas, o gás natural que aciona as térmicas é muito caro, o óleo combustível, o diesel”, explicou.
Paulo Cesar destacou ainda que as térmicas também têm outros problemas. “Elas não são eficientes”. “Então há uma série de problemas com as térmicas que têm que ser acionadas e que vão gerar esse impacto na tarifa”, disse o consultor, deixando claro que o governo poderia estar levando o país em outra direção.
“A situação só não é muito mais grave por que? Porque o país não cresce, nós não temos demanda de energia. Isto acontece porque o país está sem crescer há dez anos, porque o PIB não cresce”, afirmou. “E realmente hoje isso é um gargalo para o crescimento do PIB. Esse é o problema, o Brasil é um país que não sabe aproveitar os recursos que tem”, observou Ribeiro Lima.
TARIFAS MAIS CARAS DO MUNDO
Em carta divulgada esta semana no site Ilumina o especialista Roberto Pereira D’ Araujo afirmou que “nenhum país onde a geração hidroelétrica assume proporções significativas, ou que exercem outras atividades além da puramente energética, privatizou majoritariamente todo seu parque de usinas hídricas. Exemplos: China, Canadá, Rússia, Noruega, Suécia, Índia, Estados Unidos, que, ao contrário de documento do governo (Cartilha da Eletrobras [1]), têm as grandes usinas sob controle do estado e, contabilizadas por potência, são públicas”.
“Desde a adoção do modelo mercantil, as tarifas de energia elétrica só se elevaram. Acompanho desde 1996 a evolução desses valores. Infelizmente e sem explicações a ANEEL removeu da série os valores de tarifa média de 1995 até 2002 em seu site. Explicações já foram pedidas e nunca respondidas. Segundo publicação da Agência Internacional de Energia, usando o método de Purchase Power Parity, com dados de 2018, o Brasil é o vice-campeão de carestia de eletricidade, sendo ultrapassado apenas pela Alemanha”, denunciou D’ Araujo.
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