Microbiologia – microbiologando

2022-06-10 17:44:46 By : Ms. Cathy Chan

Conversando sobre Microbiologia e a nossa vida

Mateus Colombo – Graduando em Biotecnologia UFRGS

Dra. Patricia Valente – Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia UFRGS

No mês de Maio foi publicado um estudo na revista Geology sobre a descoberta de organismos encontrados no interior de rochas de halita, um tipo de rocha salina, de 830 milhões de anos de idade.

A halita é uma rocha composta por cloreto de sódio que, conforme se formou há milhões de anos e por estar em contato com águas superficiais salinas, aprisionou pequenas bolhas de fluídos, como água, ar e, possivelmente, microrganismos, em seu interior.

O grupo de pesquisa americano investigou o conteúdo dessas “bolhas” dentro de halita encontrada na Formação Browne, localizada na Austrália, com o objetivo de encontrar qualquer microrganismo que pudesse ser detectado com técnicas ópticas sem causar danos às rochas, preservando seu conteúdo para futuros estudos. A formação Browne é uma unidade estratigráfica bem caracterizada, datando do período Neoproterozóico (541 a 1000 milhões de anos), e inclui material rochoso de antigos ambientes marinhos.

O trabalho incluiu observações de 10 leitos de halita em profundidades entre 1480 m e 1520 m, perfuradas em 1997 pelo Geological Survey of Western Australia. Cada amostra foi cortada com uma espessura de 1 a 2 mm e, em seguida, examinada opticamente. Foi usada luz transmitida para descrever o tamanho, a forma e a cor de líquidos, gases, minerais e matéria orgânica suspeita. Também utilizou-se luz de polarização cruzada para distinguir minerais e luz ultravioleta visível (UV-vis) para testar a resposta fluorescente de quaisquer microrganismos suspeitos e/ou compostos orgânicos que confirmariam a presença de matéria orgânica.

Os pesquisadores observaram líquidos e sólidos orgânicos, consistentes com possíveis células procarióticas e eucarióticas, bem como compostos orgânicos suspeitos. Diz-se “suspeito” para os compostos orgânicos porque não foi possível identificar completamente sua composição apenas pela sua aparência óptica e resposta fluorescente à luz UV-vis.

Dentre os procariontes encontrados estão os cocos, em forma de pequenas esferas, que são consistentes em tamanho, forma e aparência óptica com alguns procariontes (bactérias e/ou archaea). No entanto, não se pode descartar que sejam esporos de bactérias ou fungos. As células eucarióticas, provavelmente são de algas e/ou fungos. Os compostos orgânicos suspeitos nos fluidos do interior das rochas consistem em líquidos ou sólidos sem forma determinada.

Existe uma grande variedade de microrganismos e compostos orgânicos dentro e entre as bandas de crescimento individuais em cristais únicos, bem como entre cristais de halita de diferentes profundidades. Vários dos cristais usados neste estudo têm uma concentração excepcionalmente alta de microrganismos e compostos orgânicos suspeitos em seu interior.

Algumas questões ainda ficaram para ser respondidas, como: Os microrganismos da halita da Formação Browne estão vivos?

Alguns microrganismos encontrados em rochas de sal, como algumas espécies de algas, encolhem e reduzem bastante a atividade biológica quando as águas se tornam muito salinas; essas células de algas podem ser revividas durante eventos posteriores de inundação. Além disso, os microrganismos podem sobreviver dentro dessas “bolhas” por meio de alterações metabólicas, incluindo sobrevivência à estarvação, encistamento e coexistência com compostos orgânicos ou células mortas que podem servir como fontes de nutrientes. Portanto, é plausível que existam microrganismos vivos da Formação Browne que foram aprisionados desde que a halita precipitou há 830 milhões de anos.

Outro ponto interessante sobre esse estudo é que o tipo de rocha analisado possui composição similar a algumas rochas marcianas, isso porque ambas contêm um conjunto parecido de minerais, estruturas e características de modificação ao longo do tempo.

Marte já continha lagos salinos que precipitavam sedimentos químicos, incluindo halita. Microrganismos que podem ter existido em salmouras de superfície em Marte no passado podem estar presos como microfósseis em rochas sedimentares químicas.

Essa pesquisa mostra como tais organismos podem ser identificados sem destruir ou romper as amostras, o que poderia nos dar um novo conjunto de ferramentas para identificá-los.

Ademais, esse trabalho pode ajudar a responder a diversas perguntas. Com essas informações, podemos melhor entender como era a vida na terra há milhões de anos e assim tentar explicar como chegamos aqui, há quanto tempo existe vida na terra, quais eram as formas primitivas de vida, entre outras questões, contribuindo para uma melhor compreensão da nossa história, do planeta Terra e também de outros planetas, como Marte, por exemplo.

E você, acredita que esses microrganismos podem estar vivos?

Schreder-Gomes, S.I., Benison, K.C., and Bernau, J.A., 2022, 830-million-year-old microorganisms in primary fluid inclusions in halite: Geology, v. XX, p. XXX–XXX, https://doi.org/10.1130/G49957.1

Autores: Mateus Colombo (Graduando em Biotecnologia – UFRGS) e Dra. Patricia Valente (Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia – UFRGS)

Você já parou para imaginar como seria a vida sem Saccharomyces cerevisiae ou qualquer outro fungo ou bactéria fermentadora? Com certeza seria uma vida muito chata e sem graça, isso porque ela é responsável por diversos produtos que consumimos todos os dias e os quais fizeram a humanidade se desenvolver ao longo da história.

A S. cerevisiae é uma levedura que está presente na produção de diversos produtos, como pães, pizzas, queijos, cervejas, vinhos e outros fermentados. Além disso, ela é o principal microrganismo produtor de biocombustíveis e outros produtos biotecnológicos.

As leveduras são os maiores produtores de produtos biotecnológicos no mundo, superando a produção, em capacidade e rendimentos econômicos, de qualquer outro grupo de microrganismos industriais. São produzidos anualmente mais de 1 milhão de toneladas de S. cerevisiae, um nível que excede a produção combinada de outros microrganismos industriais. Somando todas as indústrias que utilizam a S. cerevisiae em seus processos produtivos, de bebidas, panificação, biocombustíveis, enzimas, farmacêutica, etc, este é um mercado que gira em torno dos bilhões de dólares.

Abrangência da biotecnologia de leveduras, adaptado de  KURTZMAN 2011.

E, convenhamos, a vida não seria a mesma sem todas essas coisas. Mas por que essa levedura se tornou tão importante para os humanos e o mundo?

Desde os tempos antigos, bebidas fermentadas e alimentos produzidos pela atividade de leveduras têm contribuído proeminentemente para o avanço e sustentabilidade das sociedades humanas. A domesticação da S. cerevisiae pode ser considerada um evento pivô na história humana. Arqueologistas encontraram evidências de que bebidas fermentadas produzidas por leveduras foram consumidas nos tempos Neolíticos (8500 – 4000 AC) na China, Irã, Egito e outras áreas do mundo. A disponibilidade de alimentos fermentados era uma motivação para os humanos povoarem áreas e tornarem-se agricultores.

As técnicas e saberes práticos necessários para processos fermentativos eficientes foram passadas de geração para geração sem conhecimento detalhado dos princípios científicos por trás do processo.

Em 1864, foi noticiado que a fermentação alcoólica era realizada por uma substância feita de S. cerevisiae. Experimentos realizados nessa época demonstraram que substâncias como nitrogênio e açúcar, fontes de alimentos para as leveduras, podiam ser precipitadas a álcool. Isso levou à descoberta das enzimas, que significa “no fermento”. Na época, foi encontrada a “glicólise”, uma enzima responsável pela quebra das moléculas de glicose.

Louis Pasteur elucidou os conhecimentos científicos e tecnológicos sobre fermentação, reportando que microrganismos eram responsáveis pela formação de álcool a partir do açúcar. Pasteur também introduziu o conceito de cultura pura para resolver os problemas de más fermentações, além de reconhecer a diferença entre fermentação alcoólica (processo anaeróbico, sem oxigênio) e crescimento aeróbico (com a presença de oxigênio) de leveduras.

No final dos anos 1800s, Emil Fischer e Eduard Büchner e seus contemporâneos começam a revelar a base do metabolismo da levedura, o que levou a estudos detalhados da bioquímica e metabolismo de leveduras e descobertas fundamentais em biologia celular e bioquímica.

Processo de fermentação alcoólica

S. cerevisiae foi o primeiro organismo eucarionte a ter o genoma sequenciado, em 1996, e continua hoje sendo o genoma explorado mais completo e caracterizado. Os usos da S. cerevisiae vão muito além de pão e cerveja. Por apresentar características específicas que a fazem apropriada para o estudo em laboratório, é um dos principais organismos-modelo utilizado no universo acadêmico. Essa levedura tem permitido cientistas fazerem milhares de descobertas que aprimoram nossos entendimentos em biologia celular, biologia molecular, genética, bioquímica, assim como patologias e potenciais tratamentos para doenças humanas.

Algumas das propriedades que fazem de S. cerevisiae um organismo particularmente adequado aos estudos biológicos incluem:

– Ciclo de vida rápido. A cada 90 – 120 minutos uma cultura dobra sua massa celular;

– Pouco exigente quanto ao meio de cultura, podendo suportar condições ácidas e com altas concentrações de açúcar;

– Fácil manipulação genética, o que possibilita a geração e análise de mutantes, tanto do genoma nuclear como mitocondrial;

– Característico processo de recombinação homóloga: DNA exógeno (de outros organismos) que possui pelo menos um segmento homólogo (semelhante) ao DNA do levedo pode ser direcionado para uma região específica do genoma, podendo proporcionar a conversão de genes selvagens em alelos “interrompidos”, com a perda da função original;

– Pode sobreviver a mutações que geram células que obtêm energia independente da respiração, ou seja, exclusivamente por fermentação de substratos apropriados.

Devido à sua longa história de uso e consumo seguros, S. cerevisiae foi um dos primeiros organismos a ser designados como “geralmente reconhecidos como seguros” (GRAS), e o primeiro organismo geneticamente modificado (OGM) usado para produção recombinante de alimentos e aditivos para rações. Em 1990, uma cepa geneticamente modificada de S. cerevisiae se tornou um dos primeiros OGMs aprovados para uso alimentar no Reino Unido.

Devido à diminuição de recursos, fatores ambientais, e à necessidade de fontes sustentáveis de energia, leveduras como a S. cerevisiae têm atraído interesse nos últimos anos para a produção de etanol e outros produtos industriais a partir de biomassa.

Leveduras são importantes fontes de enzimas para mercados tradicionais, incluindo de alimentos, ração, agricultura, bem como de biocatalisadores específicos, os quais estão crescentemente sendo utilizados na síntese de fármacos, uma indústria dominada pela síntese química.

A S. cerevisiae também é utilizada para a produção de insulina, vacina contra hepatite B e outros produtos para tratamento humano, sendo de extrema importância que essas cepas e seus subprodutos não representem risco para a saúde humana.

Devido às suas propriedades fisiológicas desejáveis, longa história de uso, consumo seguro, falta de produção de toxinas e métodos estabelecidos para manipulação genética, S. cerevisiae continuará, sem dúvida, a ser o organismo desejado para muitas aplicações industriais, incluindo aquelas que se estendem além da biotecnologia “clássica” de levedura de alimentos, bebidas e processos de ração.

Sua aplicação fica cada vez mais abrangente e, consequentemente, sua importância para o mundo e a vida das pessoas aumenta. O desenvolvimento tecnológico e a ciência continuarão a contribuir com produtos e técnicas de qualidade, seguros e saudáveis. Isso reflete não apenas na indústria direta de leveduras, mas inclui outros aspectos indiretos, como geração de emprego, serviços comerciais, construção, turismo e impostos gerados ao somar todas as cadeias que utilizam ou podem utilizar produtos gerados pelas leveduras ou a sua indústria.

COTOIA, Alicia. Saccharomyces cerevisiae, 2020. Acesso em 30/03/2022. Disponível em: https://biologydictionary.net/saccharomyces-cerevisiae/

KURTZMAN, Cletus; FELL, Jack W.; BOEKHOUT, Teun (ed.). The yeasts: a taxonomic study. Elsevier, 2011.

Monteiro, R. F. G. Saccharomyces cerevisiae – O modelo. Departamento de microbiologia – ICB/USP. Acesso em 30/03/2022. Disponível em: https://microbiologia.icb.usp.br/cultura-e-extensao/textos-de-divulgacao/micologia/genetica-e-biologia-molecular-de-fungos/saccharomyces-cerevisiae-o-modelo/

Autores: Mateus Colombo (Graduação em Biotecnologia – UFRGS) e Dra. Patricia Valente (Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia – UFRGS)

Eles estão em todos os lugares, no banheiro, na cozinha, no quarto, no porão, e até mesmo dentro de você, sim, os fungos estão no ar que respiramos neste exato momento. Na realidade, os seus esporos, que são suas estruturas reprodutivas, e outras partículas fúngicas que estão no ar, mas acho que você, leitor, entendeu a ideia. 

Alguns destes seres microscópicos conseguem chegar a todos os cantos, e é especialmente um canto quentinho, úmido e com pouca luz o que eles mais gostam para viver. Estou falando dos mofos e, provavelmente, você já deve ter visto eles pela sua casa, nas paredes, nos móveis, entre os azulejos do banheiro, nos alimentos, e também já deve ter visto o estrago que eles podem causar. Deixam a casa mais feia, causam um cheiro desagradável, estragam móveis, roupas e tecidos e, além disso, podem causar alergias, rinites, micoses e outros problemas de saúde.

Na América do Norte, estudos com questionários descobriram que 36% dos lares têm problemas de mofo. Estudos que incluíram medições da qualidade do ar interno mostraram números ainda maiores, cerca de 50%. Na Europa, a prevalência de casas úmidas e mofadas foi relatada em 46% na Grã-Bretanha, 18% na Holanda e 15% na Finlândia. No Brasil os dados ainda são escassos, não sendo relatados estudos abrangentes sobre a realidade dos lares brasileiros; A maioria dos estudos que existem focam na qualidade do ar em ambientes específicos, como locais de trabalhos, escritórios,  escolas e hospitais.

Os fungos podem afetar a saúde humana de várias maneiras. As reações possíveis geralmente se enquadram em um dos três grupos: reações alérgicas (sensibilização e respostas imunes, ou seja, asma, rinite alérgica ou pneumonia de hipersensibilidade), infecções (crescimento do fungo no corpo, por exemplo, aspergilose) e respostas tóxicas. 

Essas reações estão relacionadas, principalmente, por causa do que chamamos de metabólitos secundários. Metabólitos secundários são compostos orgânicos que não estão diretamente envolvidos nos processos de crescimento, desenvolvimento e reprodução dos organismos, mas auxiliam na sobrevivência dos mesmos ou são produtos de seu metabolismo. Dentre os metabólitos secundários produzidos pelos fungos estão micotoxinas, substâncias nocivas e tóxicas aos seres humanos. Conforme os fungos se proliferam, mais contaminam e maior se torna o potencial de causarem efeitos adversos à saúde.

Como grande parte das pessoas passa boa parte do seu tempo dentro de edifícios, elas estão expostas aos poluentes encontrados em ambientes internos. A diminuição das taxas de troca de ar nesses ambientes tem papel relevante no aumento da concentração de poluentes biológicos e não biológicos no ar interno dos prédios.

Estudos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) indicam que os níveis de concentração de poluentes podem ser de duas a cinco vezes maiores em ambientes internos do que nos externos, mesmo em cidades altamente industrializadas. Esse fato, juntamente com o tempo de permanência em ambientes internos, faz com que os riscos à saúde humana sejam muito maiores nesses locais.

De acordo com os padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais da metade dos locais fechados, como empresas, escolas, cinemas, residências e até hospitais, tem ar de má qualidade. Essa baixa qualidade é causada, principalmente, pela má higienização dos aparelhos de ar condicionado e pela falta de controle periódico sobre as possíveis fontes de contaminação.

Caso os mofos não sejam combatidos, podem levar ao desenvolvimento de casos como a Síndrome dos Edifícios Doentes (SED), uma situação na qual os ocupantes ou usuários de um prédio específico apresentam sintomas sem origem determinada e sem a possibilidade de constatação de uma determinada etiologia, sendo, portanto, desconhecida. Para que um edifício seja considerado doente, é necessário que pelo menos 20% de seus ocupantes apresentem sintomas como: irritação das mucosas, efeitos neurotóxicos, sintomas respiratórios e cutâneos e alterações dos sentidos por, no mínimo, duas semanas, sendo que estes desaparecem quando o indivíduo se afasta do edifício.

Embora os problemas de saúde em edifícios com mofo estejam associados à exposição a altas concentrações de esporos de fungos no ar, vários estudos mostram que a concentração de esporos de fungos em edifícios problemáticos não é necessariamente maior do que nos não problemáticos. Isso sugere que os esporos de fungos no ar podem não ser os únicos agentes que contribuem para os efeitos na saúde em ambientes internos úmidos.

Ademais, alguns estudos atualmente demonstram que não são apenas os patógenos fúngicos clássicos que estão causando doenças; qualquer espécie pode causar algum tipo de sintoma. Estes são o que chamamos de patógenos emergentes, onde qualquer espécie pode causar doença. Entretanto, o desenvolvimento do quadro clínico adverso se encontra intimamente dependente das características de cada indivíduo, sua resistência, condição inicial de saúde, grau de exposição, idade, predisposição, etc. 

Por estas razões, é de grande importância manter sob controle as populações de fungos realizando o combate destes organismos, principalmente se forem patógenos. Uma boa forma de evitar a formação de colônias de fungos em nossas casas é tornando o ambiente inóspito para esses organismos. Pode-se alcançar esse objetivo através de medidas como: remoção de fontes de água que permitam o crescimento dos fungos; manutenção da umidade relativa do ar menor que 60%; remoção de materiais orgânicos porosos claramente infectados, como tapetes embolorados; manutenção e limpeza nos sistemas de condicionadores de ar; uso de filtros eficientes no sistema de tomada de ar externo e manutenção constante destes. Algumas práticas rotineiras também podem ajudar a controlar os mofos, como manter os ambientes limpos, secos, arejados e recebendo iluminação solar.

Nesse link você pode ter acesso a materiais com recomendações para o diagnóstico de fontes poluentes de ambientes internos, bem como um guia para minimizar os riscos à saúde em ambientes internos.

A presença de contaminantes no ar, como os fungos, pode prejudicar a vida das pessoas de diversas formas, principalmente em relação a sua saúde. A qualidade do ambiente interior é um dos principais fatores que contribuem para uma vida com qualidade, bem estar e saúde. Isso afeta diretamente as habilidades dos ocupantes de um edifício em realizar tarefas, assim como o desejo de permanecer, trabalhar e aprender. 

BLOG DO FRIO. CO2 e fungos são as maiores ameaças a qualidade do ar interior, 2017. disponível em: https://blogdofrio.com.br/co2-fungos-qualidade-do-ar-interior-qai/

QUADROS, Marina Eller; DE MELO LISBOA, Henrique. Qualidade do ar interno. Quadros, ME, Lisboa, H, M. Controle da poluição atmosférica, 2010.

GÓRNY, Rafał L., et al. Fungal fragments as indoor air biocontaminants. Applied and environmental microbiology, 2002, 68.7: 3522-3531.

NUNES, Zilma das Graças, et al. Estudo da qualidade microbiológica do ar de ambientes internos climatizados. 2005. PhD Thesis.

SCIENCE INSIDER. Why mold is so hard to kill, 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xqs626gtTjU

SCHIRMER, Waldir Nagel, et al. A poluição do ar em ambientes internos e a síndrome dos edifícios doentes. Ciência & Saúde Coletiva, 2011, 16: 3583-3590.

Autores: Mateus Colombo (Curso de Biotecnologia – UFRGS) e Dra. Patricia Valente (Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia)

Tem gente que acha que a única coisa que os fungos fazem é causar doenças. Vamos mostrar que não é bem assim. Os fungos podem ser muito úteis para todos nós! 

Os fungos são microrganismos muito conhecidos por realizar o processo de decomposição de outros seres vivos, além de também terem um grande papel na alimentação, como as leveduras na produção do pão, vinho, cerveja e o consumo de cogumelos. 

Existem dois principais tipos morfológicos de fungos: os unicelulares (possuem apenas uma célula) e os pluricelulares ou filamentosos (constituídos por filamentos denominados hifas e que crescem desenvolvendo micélios, que parecem chumaços de algodão). 

Assim como todos os organismos vivos, os fungos consomem uma fonte de alimento, realizam seu metabolismo, crescem e modificam o alimento produzindo outros produtos, como gases, ácidos e proteínas, os quais podem ser utilizados para fabricação de produtos. 

Baseada nessa ideia, a biofabricação é o processo de produção de materiais complexos e artefatos através do crescimento de organismos vivos e células. As potenciais aplicações desta tecnologia vão desde a indústria biomédica (ex. Impressão de órgãos) até a produção de energia (ex. Produção de biocombustíveis), além do desenvolvimento de materiais para manufatura.

Com as crescentes preocupações ambientais e a busca pelo desenvolvimento de produtos mais sustentáveis, a biotecnologia e a biofabricação surgem como importantes precursoras de novas tecnologias. Estas exploram as possibilidades do uso de organismos vivos, como fungos, bactérias e algas, para a produção de biomateriais, matérias-primas de fontes renováveis e de baixo impacto ambiental, que podem ser utilizadas para a produção de bens de consumo, como embalagens, recipientes, móveis e outros artefatos.

Atualmente estão sendo desenvolvidas diversas técnicas para a produção de biomateriais à base fungos, como fabricação de compósitos (materiais formados pela união de outros materiais) à base de micélio, produção de ácido lático para fazer bioplásticos ou, ainda, produção de biocombustíveis.

A fabricação de compósitos de micélio é relativamente mais estável e acessível do que a utilização do micélio puro. O processo começa por inocular um fungo em um substrato com nutrientes. O fungo então cresce digerindo o substrato (por exemplo, restos de grama) e vai formando uma rede sólida de micélio ao seu redor, constituindo um material volumoso, que é coberto por uma camada branca e macia. 

Os substratos usados para cultivar compósitos à base de micélio são normalmente recuperados de fluxos de resíduos industriais ou agrícolas, como palha de trigo ou arroz, serragem de madeira ou outras fibras, por exemplo, linho e algodão. A preparação requer um certo nível de esterilidade para alcançar resultados adequados e evitar a contaminação por outros organismos. 

Variando os nutrientes e ‘receitas’ usados para fabricar os materiais, os cientistas podem obter compósitos que diferem significativamente em seu desempenho técnico e experiencial. Os materiais podem levar de duas a quatro semanas para crescer, dependendo do volume. Após o crescimento, a secagem a baixa temperatura é necessária para desativar o organismo vivo. Alternativamente, os materiais podem ser mantidos à temperatura ambiente, preservando a possibilidade de crescimento futuro e as suas propriedades para se manter íntegro. 

Algumas aplicações dos compósitos são para a confecção de embalagens como as de isopor, usadas para proteger peças frágeis, e também para a fabricação de móveis como cadeiras, assentos, mesas e armários, produzidos com chapas de compósitos a base de micélio, ou então sendo moldados em moldes para adquirir a forma desejada. 

No ano de 2016, duas empresas americanas pioneiras na utilização de fungos para a biofabricação de bens de consumo, a Ecovative juntamente com a Biomason, desenvolveram móveis que crescem, produzidos a partir de fungos, e apresentaram a ideia na Biofabricate, uma feira de produtos biofabricados. A Ecovative, hoje, é uma empresa que comercializa embalagens, além de outros produtos como espumas, couro e até mesmo “bacon” (sim isso mesmo, “bacon” comestível feito de fungos), todos produzidos à base de micélio. Já a bioMASON atualmente está mais focada na comercialização do bioconcreto, uma espécie de concreto alternativo o qual pode ser utilizado da mesma forma que o concreto tradicional, com a vantagem de gerar muito menos CO2 durante sua fabricação. O bioconcreto é fabricado a partir de um processo natural que utiliza microrganismos, como bactérias, que formam carbonato de cálcio ao redor de grãos de areia, da mesma maneira que corais e conchas são formadas, para endurecer o concreto, ao invés de utilizar fornos para esta finalidade.

Outro exemplo são leveduras que estão sendo estudadas para a produção de ácido lático, o qual posteriormente pode ser utilizado para a produção de PLA (polilatic-acid), uma espécie de bioplástico. O processo de produção baseia-se na fermentação de uma fonte de carbono, como celulose e cana de açúcar, e como um dos produtos da fermentação tem-se o ácido lático. Esse processo é realizado dentro de biorreatores, onde são controladas as condições para o melhor desenvolvimento possível dos microrganismos. 

Além de produzirem ácido lático, um uso já bastante difundido das leveduras é na produção de biocombustíveis, como o etanol. Este pode ser utilizado diretamente como um combustível ou então, através de processos físicos e químicos, ser transformado em plástico polietileno, apresentando as mesmas características daquele produzido à base de petróleo, com a única diferença de agora estar sendo produzido por uma fonte renovável, um fungo. Bem legal, não é?

Os fungos possuem um papel importante pois são capazes de gerar muitos produtos de interesse biotecnológico, com características às vezes melhores do que as encontradas no mercado e utilizando processos mais simples e econômicos. Entretanto, por se tratarem de seres vivos, existem algumas limitações e dificuldades para fazer com que essas ideias sejam mais utilizadas. São necessários diversos cuidados durante o seu cultivo para favorecer um crescimento acelerado e de forma que se obtenha um bom rendimento e qualidade em todos os lotes. 

Outros pontos a serem levados em consideração são o risco de contaminação, o baixo rendimento de alguns fungos, o tempo de crescimento, a necessidade de biorreatores e purificação. Esses fatores podem frustrar o processo produtivo e dificultar a escalagem, assim como elevar os custos de produção de certos produtos biotecnológicos.

O futuro aguarda o surgimento de tecnologias inovadoras como as descritas aqui. O uso do melhoramento genético e de novas técnicas de cultivo pode encontrar soluções para esses problemas, tornando mais fácil, prático e viável o cultivo de fungos para os diferentes propósitos. Vale ressaltar que os fungos produzem diversas outras substâncias potenciais para a produção de biomateriais, biocombustíveis, medicamentos, antibióticos e até mesmo alimentos, podendo assim melhorar a vida das pessoas e do planeta, tornando este um lugar mais saudável e preservado.

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