Mãe de duas crianças — Gabriel, 5, e Mel, 9 anos —, a influenciadora digital Tamara Castro, 30 anos, de Campo Limpo Paulista, interior de São Paulo, decidiu que não queria mais filhos. Foi, então, que seu marido optou pela vasectomia. No entanto, uma gravidez inesperada mudou os planos da família. "Na semana em que engravidei, eu estava com covid, então achei que os sintomas fossem sequelas do vírus. Mas acabei comprando um teste de gravidez. Assim que deu positivo, foi um susto muito grande", lembra. "Chorando muito, fui até uma clínica, fiz o exame de sangue e deu positivo. Não contente, fui a um hospital, pois achei que algo estivesse errado. Fiz o ultrassom, vi o saco gestacional, eles me acalmaram e explicaram que era raro, mas acontecia. Meu marido chegou, conversamos e se tornou uma alegria muito grande para todos da família", conta.
A gravidez, segundo Tamara, estava sendo tranquila. "Fui diagnosticada com diabetes gestacional, mas consegui controlar com a alimentação. Logo no início, também tive um descolamento de placenta, mas fiz repouso e, em um mês, já colou. Fiz todos os ultrassons e estava tudo bem com o bebê até o dia 18 de junho", continuou. Nesse dia, Tamara e o marido foram a um ultrassom de rotina e com 22 semanas de gestação, o casal recebeu a notícia devastadora de que o coração do bebê havia parado de bater. Daí por diante, o sofrimento só aumentou. Tamara precisou ser induzida e ter o bebê, mesmo já sem vida, por parto normal. No momento da expulsão, ela conta que estava sozinha com o marido no quarto. Depois, ainda precisou ser sedada e submetida a uma curetagem. "Literalmente me vi destruída, vulnerável e só perguntava para Deus porque passar por tudo aquilo", lembra.
Segundo a mãe, o que tornou a experiência ainda mais traumática foi a falta de suporte e cuidado dos profissionais de saúde. "Estavam focados nos bebês que iam nascer com vida. O meu não iria nascer com vida. A hora que ele saiu, não tinha nenhum médico ou enfermeira do meu lado. Eu estava num estado de choque total. Eu sei que nada traria meu filho de volta, mas um psicólogo, por exemplo, naquele momento, para conversar e dizer que eu tinha a opção de vê-lo, faria toda diferença. Eu não vi meu filho e, hoje, me culpo por causa disso. O hospital não deu estrutura nenhuma", lamentou. Dias depois, ela fez um vídeo em que expõe sua dor (clique aqui para assisitir). Rapidamente, ele se tornou viral nas redes sociais. Confira, abaixo, o depoimento completo em que ela relembra, em detalhes, todo o processo.
Tamara foi informada em um ultrassom de rotina, com 22 semanas de gestação, que o coração do bebê tinha parado de bater (Foto: Arquivo pessoal)
"No dia 17 junho, havíamos comprado e montado o berço com muita alegria, todos juntos — meu marido, eu e as crianças —, já pensando no ultrassom, que seria no dia seguinte. No dia 18, uma hora antes do exame, eu até comprei um chocolate para que ele se movimentasse mais. É estranho dizer isso, mas eu percebia que ele não se mexia como os outros bebês. Eu perguntava para as amigas grávidas e elas diziam que seus bebês chutavam bastante. Eu lembrava das minhas gestações anteriores e sabia que essa era diferente. Cheguei a comentar com o obstetra na última consulta, com 18 semanas, mas ele disse que era normal, que alguns bebês começavam a mexer algum tempo depois e pediu para eu não fazer comparações. Ele ouviu o coraçãozinho, estava tudo bem e disse para eu relaxar. Eu tive duas gestações anteriores tranquilas e não tinha motivos para sentir medo, mas, hoje, eu acho que Deus já estava me preparando para o que estava por vir.
O positivo e a alegria pela vinda de Lorenzo (Foto: Arquivo pessoal)
Nesse dia, meu marido e eu entramos na sala e a médica já começou o exame. Eu estava muito animada e falei: 'Ah, ele está viradinho. Mexe, filho'. E ela foi bem direta — muito direta mesmo — quando disse: 'É sua primeira gestação? Então, seu bebê não tem mais batimentos. Vou sair, fazer o laudo e preciso que vocês aguardem aqui dentro'. Naquele momento, foi como se o mundo tivesse acabado. Eu fiquei muito nervosa, levantei e comecei a chorar desesperadamente. Ela trouxe o laudo de óbito e disse que eu tinha que ir para o hospital. Eu gritei, eu chorei, não queria acreditar naquilo.
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A família no chá revelação de Lorenzo (Foto: Arquivo pessoal)
Saímos de lá, entrei no carro e parecia que nada mais fazia sentido. Chorei muito, muito... Fomos direto para o hospital, mas, chegando lá, eu não conseguia entrar. Ficamos das 10 horas da manhã ao meio-dia lá na frente e eu chorando. Naquele momento, me revoltei muito com Deus, contestava, perguntava por que aquilo estava acontecendo. Afinal, não planejamos engravidar, meu marido é vasectomizado. Por que engravidar para ter que passar por todo aquele sofrimento? Eu não procurei aquilo, mas, no momento em que eu soube que Lorenzo existia, já o amei. Nós nos adaptamos 100% à chegada do bebê. Minha família é muito intensa e as crianças viveram esse sonho com a gente diariamente. Então, por que tirar ele de nós? Eu sofri muito na frente daquele hospital até que criei coragem para entrar. Mostrei o laudo para o médico e pedi outro ultrassom para ter certeza. Eu me apeguei ao fato de que pudesse ser um engano, então, nos 50 minutos de espera até o exame, eu orei muito e pedi para Deus um milagre.
Entrei no ultrassom às 13h10, sozinha, pois meu marido não pode entrar comigo — e ainda mentindo para mim mesma, acreditando que o médico diria que tudo não passava de um erro. Mas ele estava quieto, então perguntei: 'Doutor, não tem mesmo o coração?'. Ele confirmou que o bebê já estava em óbito, explicou que eu precisaria internar e ter um parto normal. Eu acho que nunca vou conseguir dizer em palavras como foi passar por isso. Foi traumático, foi o dia mais triste da minha vida, foi desesperador.
Já no quarto, às 14h, começaram a colocar comprimidos a cada quatro horas para induzir o parto. Somente por volta da meia-noite, eu passei a sentir fortes dores — uma contração atrás da outra até que às 7h da manhã —, finalmente consegui expulsar. Ali, eu literalmente me vi destruída e vulnerável. Durante todo o processo, meu marido ficou ao meu lado, mas chegou um momento em que achei que eu fosse morrer. Era uma dor diferente, uma dor que não é pra vida. Você sabe que está passando por tudo aquilo para nada. Não dilatava, meu colo estava muito fechadinho; Lorenzo estava superprotegido lá dentro. Depois que ele saiu, ainda fui levada para a sala de cirurgia, onde tomei anestesia e fui dopada, pois estava muito nervosa, então, passei pela curetagem.
Com tudo isso, percebi o quanto os hospitais precisam estar mais preparados para essas situações. Eu fui colocada em um quarto separado, mas ainda assim ouvia o chorinho dos bebês nascendo, e isso torna o momento ainda mais traumatizante. Enquanto eu estava agonizando de dor, chorando, com medo do que estava por vir, eu ouvia as mulheres dando à luz seus bebês. Isso fere muito, ainda mais em um momento em que eu estava muito insegura e as enfermeiras apenas vinham para dizer: 'Tá vindo, você tem que fazer força', e saiam novamente. Na hora em que expulsei, estávamos — meu marido e eu — sozinhos; não tinha ninguém ali. Meu marido foi para o corredor atrás de alguém, elas vieram, falaram que faltava mais um pouco. Pediram para que eu fizesse mais força, pois ainda faltava a placenta, e ficaram ali, ao lado, mas conversando sobre qualquer outro assunto. Elas não estavam vivendo aquilo comigo. O hospital não tinha um suporte para oferecer e, infelizmente, é algo que acontece muito. Tenho recebido relatos de mulheres todos os dias. Ninguém me tratou mal, mas no momento mais traumatizante, mais difícil, não há um cuidado para lidar com a dor que você está passando. É assustador, é uma dor física, emocional, na alma.
Tamara passou por um parto normal e uma curetagem, após a notícia devastadora (Foto: Reprodução/Instagram)
Na primeira semana após o parto, eu só chorei. Foram 24 horas do dia chorando pelos cantos. Meu filho, Gabriel, 5 anos, quando soube, saiu quebrando tudo dentro de casa e gritava: 'Eu quero meu Lorenzo'. Ele perguntava: 'Porque você deu meu Lorenzo?'. Foi muito difícil. Quando cheguei do hospital, ele queria, de alguma forma, machucar minha barriga. Ficou revoltado e, por muitas vezes, eu percebia que ele ficava confuso, perguntando algo sobre o bebê, como se nada tivesse acontecido. Então, decidimos colocá-lo na terapia e, hoje, felizmente, ele está bem mais conformado, mas continua pedindo muito por outro bebê.
Já a mais velha, Mel, 9 anos, acredito que tenha sofrido muito mais. Ela conseguiu externar tudo o que pensava, chorou muito, questionou porque Deus tirou ele da gente e, até hoje, percebo que ela ainda sofre. Mas também deve começar a fazer terapia em breve. Foi um momento muito traumático para toda família. Meu marido se fez de forte, pois eu só chorava. Ele dizia que não poderia se entregar, cuidou das crianças e de todo o resto para eu ter um tempo para o meu luto.
Eu resolvi fazer aquele vídeo [que viralizou] porque precisava externar o que eu estava sentindo. Eu me sentia vazia, triste, sangrando por dentro, mas não esperava que viralizasse. Desde então, muitas mulheres que passaram pelo mesmo processo me procuraram e isso tem me dado muita força. Vi que não estou sozinha, que elas também não superaram, mas conseguiram se levantar, então, isso tem me fortalecido. Elas entendem minha dor.
Tamara estava grávida de 22 semanas (Foto: Arquivo pessoal)
O mais difícil nesse luto é ouvir, principalmente de pessoas próximas, mesmo sem querer, palavras que nos machucam. Elas querem que a gente supere, mas acabam nos pressionando 'a seguir a vida' como se nada tivesse acontecido. Estamos falando da perda de um filho. Eu perdi o Lorenzo, meu filho. Outubro vai chegar e ele não vai vir, não vou vê-lo engatinhar, andar, não vou amamentar, não vou trocar suas fraldas... É desesperador, pois, a partir do momento em que o bebê está na sua barriga, o amor se torna incondicional; sua vida já se transforma no momento em que ele passa a existir ali dentro.
Sei de muitas mães que tiveram consequências emocionais e físicas simplesmente por não viver o luto. Então, precisamos chorar, sim. Sermos vulneráveis, sim. A dor no emocional é tão grande que se torna física. Já tive crises de ansiedade, mas não vou me entregar. Então, meu conselho é: procure por mulheres que já passaram por isso, pois são quem verdadeiramente vão te entender e te abraçar com palavras. Elas irão te ouvir sem julgamentos, sem pressionar ou cobrar a superação de algo que, talvez, você nunca supere. Eu, hoje, após alguns dias, já me sinto mais forte. Não é que a dor conforta, mas você perceber que não está sozinha."
Sobre as possíveis causas do óbito, Tamara ainda não tem uma resposta. "Eles pedem um prazo de 30 a 40 dias para emitir um laudo. Mas eu quero investigar para saber se desenvolvi algo. Então, pretendo fazer alguns exames", disse. Em relação aos procedimentos realizados — indução, parto normal e curetagem —, segundo o ginecologista e obstetra Alexandre Pupo, dos hospitais Sírio Libanês e Hospital Albert Einstein, em São Paulo, são padrões nesses casos. "Até por volta de 12 ou 13 semanas de gestação, o bebê ainda é um embrião, isto é, não tem ossos, é formado basicamente por um tecido celular, que é bastante maleável. Portanto, até esse período, é possível fazer apenas a raspagem, ou seja, uma aspiração para limpar o útero no cenário de um abortamento", explicou.
No entanto, segundo ele, quando o bebê já está mais desenvolvido, como foi o caso de Tamara, inviabiliza o uso dessas técnicas. "Quando o feto passa a ter núcleos de formação óssea, o uso dessas técnicas pode levar, por exemplo, à perfuração da parede do útero ou causar infecções. Além disso, com cerca de 20 semanas de gestação, o útero ainda é muito pequeno e a parede do útero ainda é grossa, o que dificulta a remoção cirúrgica do bebê. Para isso, seria necessário uma incisão vertical, que, infelizmente, colocaria em risco a integridade do órgão para uma gestação futura. O mais indicado é mesmo a indução para que todo esse material seja eliminado pela via vaginal", esclareceu.
No entanto, segundo o médico, é importante fazer uso de tudo o que a medicina dispõe afim de reduzir a dor e o sofrimento da mãe, como a analgesia. "A partir do momento em que começam contrações pra valer, a tendência é que seja mais rápido do que um parto com bebê vivo, pois o feto, nesses casos, costuma ser pequeno, assim como a abertura da dilatação", complementou. Os casos de cesárea, segundo Pupo, só são indicados quando o bebê está em posição pélvica (sentado) ou a mãe tem histórico de múltiplas cesáreas. Sobre a curetagem após o parto normal, o médico comentou: "A placenta, nesses casos, costuma ser imatura e geralmente não sai inteira ou completamente. Portanto, é necessário eliminar os restos que não saíram".
Passar pelo trauma de perder um bebê na barriga, seja qual for a idade gestacional é algo dilacerante e que deixa marcas profundas. Por isso, o psicólogo Yuri Busin, mestre e doutor em Neurociência do Comportamento, de São Paulo, explica que todos os hospitais têm — ou pelo menos deveriam ter — psicólogos para fazer esse tipo de intervenção e dar suporte aos pais que passam por um aborto. "Claramente, trata-se de uma situação muito traumática e que, sem dúvidas, deve ser tratada com muito carinho pela equipe que está fazendo o atendimento. No entanto, infelizmente, nem todos os profissionais de saúde estão preparados para isso, apesar de sabermos que alguns hospitais têm tentando aliar a saúde mental à medicina. É de extrema importância que se invista em treinamento de equipe para que se tenha um olhar de amparo para esses pacientes", alertou.
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O psicólogo também fez um alerta aos amigos e familiares. "Como é uma situação delicada, ela demora para ser absorvida e há um período de luto que a família precisa viver. Infelizmente, não há como se preparar 100% para um evento como esse, mas é importante as pessoas entenderem que se trata de um falecimento, e um falecimento envolve todo um processo natural que necessita de tempo e dedicação para que as pessoas superem. Não é incomum que a perda de um filho possa levar a diversos outros quadros, como uma tristeza muito profunda, falta de esperança e até depressão. Então, é necessário, sim, buscar ajuda psicoterapeutica, apesar da pressão social pela melhora", finalizou.